A PRINCESA DE BAMBULUÁ (conto popular)

Quem quer desencantar a princesa de Bambuluá?
Viam apenas o rosto de uma moça bonita como um anjo. Só o rosto. E era esse rosto que pedia socorro.
Muitos homens corajosos aceitaram o encargo, mas desistiam logo das provas e fugiam espavoridos e molhados de sangue. O lugar foi ficando abandonado. Raramente passava uma criatura humana e assim mesmo bem depressa, olho no pé, olho no mato.
Numa tarde apareceu por ali um rapaz amarelo, franzino, muito cansado e faminto e se sentou na laje sem saber o que fazer de sua vida. Surgiu o rosto da moça encantada e perguntou se ele era capaz de desencantar a Princesa de Bambuluá.
Sou - disse o amarelo - sou homem para enfrentar o perigo, mas quero comer, beber e descansar primeiro.
Entre para a gruta! - disse o rosto.
O amarelo, que se chamava João, entrou e encontrou uma mesa cheia de comida variada e gostosa, uma boa rede armada e um banho morno preparado. João tomou banho, mudou a roupa, comeu e deitou-se na rede. O rosto reapareceu dizendo:
João cumpriu à risca. Perto da meia-noite foi até a árvore que ficava bem longe da gruta e deitou-se. Logo depois viu três vultos mascarados, cobertos com umas capas escuras, conversando:
Há tempos que não tropeço com gente deitada aqui, dizia um.
Outro comentava:
A gente botou tudo pra correr à custa de pau. Ficamos livres.
Um deles bateu com o pé em João e gritou:
- Aqui está um deitado! Vamos empurrá-lo! Pau nele!
As pancadas, pontapés, choveram sobre o João que suportou calado e apenas, dando um jeito no corpo, começou a rolar, a rolar por cima de pedras, espinhos, galhos secos, debaixo da saraivada de golpes, dos três embuçados. Rolou, rolou, rolou... até que encostou na gruta. Imediatamente as figuras sumiram e João pode sossegar, todo roxo de pancadas. A princesa de Bambuluá apareceu, já desencantada numa terça parte do corpo. Mandou preparar todo conforto para o amarelo que passou o resto da noite e o dia seguinte tomando coragem para a segunda prova.
Na noite escolhida os três encapuzados surraram brutalmente o pobre rapaz que não deu a menor demonstração de estar sentindo maus tratos. Rolou, rolou, rolou até a gruta e os três carrascos desapareceram.
João ficou recebendo curativos nas feridas e alimentando-se convenientemente até recobrar suas forças. Finalmente, na terceira noite, as provas foram cruéis. Os três fantasmas, furiosos pela insistência do candidato, moeram-no de pancadas e sacudiram-no dentro de um barreiro cheio de cacos de vidro e espinhos. João ficou picotado como um paliteiro. Ao romper da madrugada os três algozes fugiram como sombras. A princesa de Bambuluá estava desencantada inteiramente, dos pés à cabeça, bonita como os amores. Tratou de João e pôde curá-lo em quinze dias.
Viajaram então para a cidade vizinha e ali chegando a princesa hospedou-se na casa de uma velha professora, rica e sábia, que a recebeu como ela merecia. A princesa disse a João:
- Vou embarcar amanhã para o reinado de Bambuluá e voltarei uma vez por ano para ver você. É preciso que o meu noivo estude a língua dos pássaros e tudo quanto seja necessário para um homem importante. No fim de cinco anos creio que já estará prepa rado para acompanhar me ao reinado do meu pai e casar comigo. Não se esqueça de mim e lembre-se que minha visita anual durará apenas algumas horas. Estude muito.

Quando chegou o dia da princesa fazer a primeira visita, a professora preparou uma festa, mas ofereceu a João um copo de vinho misturado com dormideira. O rapaz bebeu e caiu como morto, dormindo profundamente. A princesa de Bambuluá chegou, abraçou todos e não conseguiu falar com o noivo porque este dormia a sono solto. Pela tarde a princesa voltou para o navio e seguiu viagem.
João acordou e ficou muito triste com o sucedido, mas continuou estudando cada vez mais.
No outro ano, no dia em que a princesa voltaria a visitá-lo, a professora tornou a fazê-lo dormir com o vinho misturado com dormideira. A princesa olhou muito o noivo, mas não pôde despertá-lo. Assim se passaram os cinco anos. A princesa de Bambuluá estava certa de que João não a queria, não estudara coisa alguma, vivendo nas festas. Tudo isso era dito pela professora velha. Na data da princesa vir, João, desconfiado, ficou de sobreaviso, mas a princesa não veio. A professora disse que a princesa de Bambuluá era uma ingrata e que João devia casar-se com uma de suas filhas, moças prendadas e bonitas. João recusou, arrumou o que possuía e partiu.

- Eu sou o Príncipe dos Pássaros. Pode ser que algum dos meus soldados saiba onde fica o reinado de Bambuluá. Vou chamá-los. . .
Agarrou um tamborzinho e começou a bater, a bater e a bater. O céu ficou escuro de pássaros, de todos os tipos, cores e figuras que desciam para a casa, entrando pelas portas e janelas e cercando o velho com todo respeito. Assim que viam o rapaz, partiam de bico aberto contra ele, julgando-o inimigo do Príncipe. O velhinho sossegava-os com um gesto. A todos o Príncipe dos Pássaros perguntou o caminho para o reinado de Bambuluá. Ninguém sabia.
- Durma hoje aqui e vá amanhã perguntar ao meu Pai, o Rei dos Pássaros, onde fica o reinado de Bambuluá.
João agradeceu muito ao velhinho e seguiu jornada na manhã seguinte. Andou três dias e três noites. Avistou uma casinha na encosta de um morro. Subiu, bateu palmas e encontrou um velho, tão velho, que estava encolhido, encorujado, junto do fogo. Quase não falava. Recebeu-o muito bem, deu-lhe que comer e ouviu a história. Depois falou:
- Vou ver se os meus soldados sabem alguma coisa. . . Pôs na boca um apito de prata e apitou, apitou e apitou. Emas, nambus, jacus, todos os pássaros grandes, que correm mais do que voam, compareceram, precipitando-se contra João porque pensavam que ele quisesse ofender ao Rei dos Pássaros. O velho aquietava-os com a mão. Perguntou a todos e nenhum soube onde ficava o reinado de Bambuluá.
- Durma hoje aqui e amanhã procure meu Pai, o Imperador dos Pássaros. Esse deve sa ber...

Assim que ele acabou, ouviu-se um barulho de asas e o céu ficou preto, preto, preto, de urubus, aos milhares e milhares, cobrindo tudo. Rodearam a casa e foram entrando e saudando o velho como a um Imperador. Queriam matar a João, mas o Imperador fazia um gesto e os urubus obedeciam. Nenhum conhecia o caminho para o reinado de Bambuluá. O Imperador mandou-os embora e virou-se para um urubu velho que estava dormindo num canto, urubu, tão velho que não tinha mais penas, mas uns tufos estranhos. O urubu ouviu a pergunta e respondeu, estirando as asas enormes:

O Imperador dos Pássaros disse a João que fosse comprar um boi bem grande, matasse, cortasse carne, tripas, bofe, coração, fígado, rins, quebrasse os ossos e trouxesse tudo para o urubu velho comer. Dentro de três dias estaria pronto para a viagem.
João comprou o boi. Um boi enorme e fez tudo quanto lhe ordenaram e colocou o montão de comida na frente do urubu velho que começou a comer sem parar, dia e noite. Ia comendo, comendo, e os tufos se abriam em penas e o urubu ia ficando empenado novamente. Dois dias depois já estava pronto e deu uns vôos, experimentando as asas e as forças.
O Imperador dos Pássaros explicou a João que montasse no urubu, segurando dois cotos de penas como se fossem fueiros, e cruzasse os pés por debaixo da asa. Fechasse os olhos. Só abrindo quando o urubu parasse. Havia de sentir um vento muito quente e o urubu faria muitas voltas. Era na ocasião em que passariam por cima das bocas do Inferno. João seguiu tudo direitinho e o urubu voou alto, alto, alto, empinando acima das nuvens. Depois de horas, desceu como um raio e começou a fazer curvas, como que recuando e o rapaz sentia um calor tão forte que lhe dava a impressão de estar pisando em brasas assopradas.
Bruscamente o urubu voou mais alto e desceu rápido pisando em terra. João abriu os olhos e viu que estava numa campina verde, com água corrente e perto de muitas casas bonitas. No cimo de um morro estava um palácio que era uma babilônia de grande.
O urubu despediu-se e voou. O rapaz veio andando, andando, até que alcançou as primeiras casas. Na janela de uma dessas estava uma velha muito simpática que lhe perguntou quem era o que estava fazendo no reinado de Bambuluá. João escondeu umas partes e contou outras, e a velha mandou-o entrar e acomodar-se com sua pequena bagagem. O rapaz estava com fome, mas a velha nada tinha para lhe oferecer. Era uma antiga criada do palácio do Rei. Este lhe dera aquela casinha, roupa e mandava todos os dias abundante tabuleiro de comida vinda da cozinha real. Pediu que João tivesse paciência e esperasse pelo meio-dia, hora em que o almoço havia de chegar.

No palácio notaram a demora da criada e mandaram outra buscá-la. Esta o que fez foi aderir ao baile com todas as forças do corpo. Mandaram uma segunda, terceira, quarta e quinta e todas se misturaram com os dançarinos, saracoteando. Finalmente a rainha, com algumas damas, vieram pessoalmente verificar no que as criadas estavam entretidas. Nem andou meio caminho e já ficou bulindo com os pés e, rainha e damas. largaram-se no folguedo como umas desesperadas. O Rei, vendo que o palácio estava deserto e a fome o apertava sem que o almoço aparecesse, saiu com os fidalgos à procura daquele mistério. Não escapou. Dançaram, dançaram, dançaram. Até que o João parou o violino e todo mundo ficou mais morto do que vivo. O Rei então disse:
Dispersaram todos. A princesa não deixara seu aposento e quando as criadas contaram a história do baile, ficou surpreendida e desconfiou que fosse o músico, o seu antigo noivo, que a desencantara e a quem dera as cordas mágicas e fizera educar. Enviou uma criada de confiança e quando se convenceu que era mesmo João, mandou-o chamar e tudo combinou para a festa próxima.
O noivo oficial andava todo orgulhoso porque ia casar com a filha do Rei. No dia da festa, quando o salão real ficou que não cabia uma cabeça de alfinete, a princesa saiu, bonita como uma estrela do céu, e disse, em alto e bom som:
- Rei meu Pai, Rainha minha mãe, meus senhores e senhoras! Se eu perdesse a chave da minha mala e mandasse comprar outra para abrir, e antes de servir-me da nova em contrasse a velha, que deveria fazer?
Todos responderam:
- Use a velha, Princesa, não se deixam amores velhos pelos novos. . .
- Pois, concluiu a princesa, aqui está meu noivo antigo que sofreu por mim muitos mal tratos, desencantando-me e estudando para ser digno do posto, vindo até aqui só para ver-me.
Disse isso e saiu da sala, voltando em seguida trazendo João pela mão, todo bem vestido, com jóia no dedo que parecia mesmo um príncipe. Todos os convidados bateram palmas e o Rei e a Rainha abençoaram o casamento que se realizou no outro dia, com tanta festa que não teve fim. Eu estava lá e vi tudo e trouxe um montão de doce, mas na ladeira do Escorrega escorreguei, caí e quebrou-se tudo...
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